Manu Lafer

Músico e Compositor

todo brasileiro é músico

Todo brasileiro é músico porque a música é uma manifestação de convívio social e de comunicação entre as pessoas. Caetano Veloso fez uma canção sobre o tema (Love, Love, Love).

Cresci ouvindo pessoas cantarem e tocarem em todos os ambientes, lugares e momentos. Carrego isso comigo na minha vida adulta de pediatra.

A Era de Ouro do Rádio brasileiro nos fez cantar em outras línguas:

  • italiano (idioma dos termos ensinados pela música culta ou erudita)
  • francês (até a primeira metade do século XX, inclusive nos sambas de Noel Rosa (1910-1937) e Wilson Baptista (1913-1968)
  • espanhol (por proximidade geográfica)
  • inglês (principalmente depois da 2ª Guerra Mundial e do boom da indústria fonográfica norte-americana e europeia).

Nenhum brasileiro é mais músico que outro, com exceção de João Gilberto (1931-2019), mais brasileiro do que qualquer outro brasileiro.

Depois de João e da Bossa Nova todo mundo canta: compositores, influencers, e não apenas os cantores.

João chegou fazia seu público e seus desconhecidos cantarem com espontaneidade, vontade, e sem vergonha da iniciativa. Como se vê pela escolha criteriosa e burilação de seu repertório, aliás.

Ele dizia que havia muita música boa para se cantar, quando era cobrado porque não “compunha mais”. Ufanista, recordava em seus shows os hinos cantados regularmente nas escolas:

Bandeira do Brasil, ninguém te manchará
Teu povo varonil
Isso não consentirá

Sem citar “ninguém aprende samba no colégio”, de Noel Rosa, cantava os sambas (fossem eles de escola de samba ou não).

Eu, como compositor, apesar de estar ciente de que o que tenho de mais relevante para mostrar são as minhas músicas (o que a voga houve por bem chamar de autoral), me arvorei a interpretar música dos outros, na língua dos outros com nosso sotaque musical e linguístico, com a cultura e o jeitinho brasileiros que temos de Carmen Miranda (1909-1955), o South American Way.

A profissão de médico me proporcionou conhecer muitas pessoas e regiões do país e do exterior, como pesquisador. Atuo em pesquisa – virologia, vacinas – e saúde dos povos originários.

Fui para lugares aonde ninguém vai (como a nave Enterprise da série de Gene Roddenberry (1921-1991), Jornada Nas Estrelas) e por isto não me convenço do argumento do “lugar comum”, para citar Gilberto Gil e João Donato (1934-2023), que ironizam a utopia de patriotismos e a “linguagem universal” da música. João Donato, grande companheiro de João Gilberto, inclusive, vem do Acre – que quase foi Bolívia, não Brasil.

Se nós mesmos, autores, não cantamos as nossas canções, não devemos esperar que alguém o faça. Eu, pelo menos, não tenho essa habilidade de autopromoção. Mas não resisti à minha paixão desbussolada pela música.

A partir do meu álbum Grandeza (2005) me permiti, como alguém que já tinha feito alguma coisa com suas canções, cantar as músicas dos outros.

Outros trabalhos que fui fazendo tiveram “covers”: Ta Shemá, o DVD A Lente Do Homem, Mané Mandou, As Luas De Marte (em parceria com Luiz Brasil) e Um Lado Meu Que Você Não Conhece (no qual convidei Dori Caymmi a mostrar em público o que faz no camarim: arranjos incríveis de violão e voz que ninguém nunca ouviu e que ele mesmo diz que fazem todo mundo chorar).

Dediquei projetos inteiros a repertórios brasileiros e norte-americanos, coisas que cantores poderiam fazer com mais qualidade e mais propriedade. Desses projetos, alguns tinham nomes bem parecidos uns com os outros para, seguindo a linha de Tom Zé, “explicar para confundir”: Someone Like You, Como Tu Ninguém, Somebody Like Me.

E fiz com muitos parceiros – exercendo o don-juanismo da tradição musical de João Gilberto (1931-2019), da MPB de Wilson Baptista (1913-1968), Paulo César Pinheiro, Caetano Veloso e Danilo Caymmi –, os projetos Forrós Pé De Serra (com Germano Mathias (1934-2023), Trip The Light Fantastic (com o violonista de 7 cordas Swami Jr e o guitarrista de 7 cordas Howard Alden), Buckskin (com Bucky Pizzarelli (1926-2020), Something Old And New e Announcer’s Test (ambos com Ken Peplowski).

Fiz também trabalhos dedicados à música judaica (três: Frum; Rezar Pode, É Do Prazer e Ore-me Fé, Efêmero), tributos a Germano Mathias, Caetano Veloso e Brian Gari (neto de Eddie Cantor), autor de quase mil canções.

Com a mesma paixão, alguma experiência, incorporando o desenvolvimento profissional de médico que transforma o medo de errar e de prejudicar alguém que precisa de socorro em segurança para lidar com o desconhecido, agora estou pronto para continuar e começar, para fazer mais e abrir mais caminhos.